Comunicação científica, divulgação científica e jornalismo científico: diversos conceitos e formas para se amplificar o letramento sobre ciência no Brasil. Entre eles, iniciativas demonstram possibilidades para tornar a ciência plural e cidadã, visibilizando, principalmente, pesquisas comprometidas com a transformação social por meio da produção de conhecimento sobre o ambiente em que vivemos.
A Comunicação Científica, a Divulgação Científica e o Jornalismo Científico se reportam à difusão de informações em ciência, tecnologia e inovação. No entanto, eles pressupõem aspectos que os distinguem. Entre eles, o perfil do público, o nível de discurso, a natureza dos canais ou ambientes utilizados para sua veiculação, e a intenção explícita de cada processo em particular.
Como propõe o jornalista, comunicador e pesquisador Wilson Bueno, em seu artigo Comunicação cientifica e divulgação científica: aproximações e rupturas conceituais, a comunicação científica tem como intuito a disseminação de informações especializadas entre os pares, com a intenção de tornar conhecidos, dentro da própria comunidade científica, os avanços obtidos, ou o desenvolvimento de suas teorias.
Cabe ressaltar a existência de níveis de segmentação na própria comunidade científica, visto que a especialização das áreas traz conceitos, métodos e formas de produção da ciência que carregam suas especificidades. Contudo, muitas temáticas e teorias são transversais, abordadas em diversas áreas disciplinares, mesmo que com objetos e métodos de pesquisa distintos.
Soma-se, ainda, o fato de que a interdisciplinaridade, cada vez mais vigente, impõe novos desafios inclusive para a comunicação e a divulgação científicas. Desse modo, a comunicação científica entre pesquisadores demanda, em alguns momentos, a mediação da divulgação científica, tendo em vista que os conceitos podem comportar distintos significados a depender da área em que o discurso científico é enunciado. Por exemplo, o que significa solo para a Agronomia, e, inclusive, as formas de se classificar e nomear esses solos, baseia-se em pressupostos e interesses distintos para a Geologia, para a Engenharia Civil ou a Geotecnia.
Um exemplo de prática em comunicação científica, ainda que não necessariamente voltada aos pesquisadores, mas em que também participam profissionais liberais técnicos, como geólogos, engenheiros civis, engenheiros ambientais, geotécnicos, engenheiros de minas, entre outros, é a Revista ABGE (ABGE em Revista), da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental. Esta iniciativa se volta à comunicação de distintas áreas em torno de temas de interesses transversais. O público-alvo se estende não somente aos cientistas, também ao mercado de profissionais técnicos.
Segundo o artigo de Wilson Bueno, a comunicação sobre determinados assuntos, que circunscrevem áreas que dizem respeito a inúmeras competências ou especialidades, possui um formato de discurso mais amplo do que aquele entre pares disciplinares. Assim, a divulgação científica e o jornalismo científico auxiliam na comunicação científica interdisciplinar. A divulgação científica está associada, muitas vezes, à difusão de informações pela imprensa, confundindo-se com a prática do jornalismo científico.
No entanto, para Bueno, a divulgação científica extrapola o território da mídia e se espalha por outros campos ou atividades, cumprindo papel importante no processo de letramento científico da sociedade e dos governantes. A divulgação científica, portanto, compreende a veiculação de informações científicas, tecnológicas ou associadas a inovações ao público leigo, contribuindo para a inclusão dos cidadãos no debate sobre temas especializados que podem impactar sua vida e seu trabalho. É um caminho para a construção de uma ciência cidadã.
Como uma experiência de divulgação científica, cabe destacar o Boletim Geodinâmica, desenvolvido pela Associação Brasileira de Mulheres nas Geociências (ABMGeo). O Boletim Geodinâmica é uma iniciativa para fomentar a circulação de produções científicas, principalmente, de mulheres das geociências. A proposta de um boletim de divulgação geocientífica nasce do Núcleo Rio de Janeiro da ABMGeo.
“O boletim, publicado pela primeira vez nesse formato na ABMGeo pelo Núcleo Rio, veio no sentido de trazer luz às mulheres invisíveis das ciências. Principalmente porque a gente sempre via as mesmas pessoas, os mesmos homens brancos compondo mesas em eventos de diversas áreas técnico-científicas”, afirma Caroline Dutra. Caroline é Doutora em Geologia, editora do Boletim Geodinâmica, ex-presidenta do Núcleo Rio da ABMGeo e atual presidenta da ABMGeo Nacional.
Segundo ela, “a ideia do boletim publicado pelo Núcleo Rio foi muito bem aceita e acolhida pelos leitores associados à ABMGeo.” A 1ª edição foi publicada localmente no ano de 2021. Caroline compreendeu ser importante levar esta ideia, que deu certo no Rio de Janeiro, para a ABMGeo Nacional durante sua presidência, amplificando o alcance desta iniciativa. Assim nasceu o Boletim Geodinâmica, com sua 1ª edição nacional em 2023, e sua 2ª edição recém-lançada, em abril de 2024.
Embora as duas primeiras edições do Geodinâmica tenham sido produzidas exclusivamente pela Diretoria Executiva Nacional da ABMGeo, a próxima edição do Boletim (a 3ª edição) contará com a presença dos Núcleos em sua elaboração. “Quando a gente aumenta a diversidade de mulheres, inclusive a diversidade geográfica, e a diversidade de iniciativas nessa construção, a gente aumenta o alcance. Então, nas próximas edições, o Boletim Geodinâmica virá expandindo a participação para os Núcleos da ABMGeo” – afirma Caroline em entrevista. Uma das propostas da gestão presidida por Caroline é capilarizar boas ideias e boas práticas, envolvendo a comunidade associada – organizada ou não em núcleos locais – e articulando a ABMGeo nos territórios.
“É um boletim para a sociedade, que mostra o que as mulheres geocientistas, e os homens também, fazem em sua profissão, divulgando trabalhos e experiências que sejam interessantes para a temática da qual trata a revista, que busca sempre trazer uma temática das geociências de apelo social. O boletim é um compilado de atitudes que a ABMGeo toma, suas ações ao longo de 4 meses. Além disso, ele traz uma seção que divulga inciativas e trajetórias de pessoas que possam inspirar outras pessoas na jornada geocientífica, geralmente em formato entrevista. E há também uma seção com resumos de artigos científicos. A última seção traz algumas novidades com ações futuras da ABMGeo” – conta Caroline.
Para a geóloga, a divulgação científica é uma forma de atuação de grande relevância na formação da opinião pública sobre assuntos que tocam as geociências. “A divulgação científica é primordial, essencial, porque a ciência, há muito tempo, é tida como classista. Algumas pessoas detêm o conhecimento. Quando a gente, que vem de baixo, aos trancos e barrancos, chega nesses círculos da ciência, a gente vai se fechar?! Não! A gente tem que partilhar a ciência com a sociedade, pra que a população ao menos perceba como a ciência modifica as estruturas, como o conhecimento modifica o ambiente. E as mudanças climáticas evidenciam isso” – conclui Caroline.
Vale destacar que as geociências abordam, dentre outras coisas, assuntos amplos e estratégicos para as relações geopolíticas e econômicas de um país. Para citar somente alguns, estão: a extração de matérias-primas (como petróleo e derivados e minérios de todo o tipo, de pedras ornamentais a minerais metálicos e agregados de construção civil); a gestão dos recursos hídricos; o planejamento urbano; a gestão de riscos e desastres e a gestão ambiental.
A 2ª edição do Boletim Geodinâmica – com a chamada: Brasil sob extremos: estamos preparados para os desafios climáticos? – mergulha em um tema crucial para o Brasil e para o mundo. Entrevistada, Ingrid Lima, que é Doutora em Geologia, editora e revisora do Boletim, afirma que a iniciativa tem como objetivo incentivar a comunidade das geociências através da divulgação científica de qualidade. “Nesta edição, buscamos promover o debate e a conscientização sobre eventos climáticos extremos, abrindo espaço para vozes experientes e jovens talentos da pesquisa brasileira”, afirma a geóloga.
Segundo Ingrid, “o Boletim Geodinâmica também tem a importância de amplificar as vozes de mulheres comunicadoras científicas que estão dedicando suas pesquisas para a promoção do conhecimento e a transformação do futuro. A geóloga Amanda Corrêa, que trabalha na área de divulgação científica, por exemplo, mostra seu entusiasmo pelo assunto em uma entrevista na qual revela que o IGeo [Instituto Geológico de divulgação científica do qual Amanda é fundadora] surgiu de seu desejo de preencher essa lacuna de divulgação científica, ‘tornando a geologia mais acessível e compreensível para o público em geral’” – ressalta Ingrid, uma das editoras do boletim que publicou a entrevista com Amanda.
O jornalismo científico, por sua vez, é uma possibilidade de divulgação científica, visto seu alcance e impacto na formação da opinião pública. Os pesquisadores Daniel Dieb e João Peschanski, no artigo Jornalismo científico: prática e revisão de literatura, destacam que o jornalismo científico se manifesta em diversos gêneros e formatos, desde reportagem, entrevista, editorial, perfil, roteiro etc., distribuídos por cinco gêneros: informativo, opinativo, interpretativo, diversional e utilitário. Um exemplo de prática de jornalismo científico é a Revista ComCiência, do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) – nela, são abordados, entre outros temas, matérias sobre meio ambiente.
Outro exemplo de jornalismo especializado em ciência é a Revista Pesquisa Fapesp, veículo que fomenta a visibilização de cientistas e da produção científica. A Revista Fapesp, contribui, inclusive, com a comunicação científica entre pares, visto que muitas de suas matérias abordam assuntos emergentes e socialmente relevantes a partir de uma perspectiva multidisciplinar. Em grande medida, não fossem iniciativas como essa, muitos cientistas não tomariam conhecimento dos avanços que acontecem no instituto ao lado de uma mesma universidade.
Nesse sentido, a divulgação científica, dentre ela o jornalismo científico, é uma importante ferramenta para veicular à sociedade temas de interesse político e público, como os que se referem ao planejamento tecnológico, ambiental e econômico do país, passando, inclusive, pelo processo de desenvolvimento desse fazer científico. O desenvolvimento científico é um processo cultural que pode ser considerado do ponto de vista de sua produção, de sua difusão entre pares, do ensino e da educação formal (desde a escola às universidades), ou, ainda, do ponto de vista de sua divulgação na sociedade.
De acordo com o estudo de Daniel Dieb e João Peschanski, é o processo cultural científico que estabelece as relações críticas necessárias entre o cidadão e os valores culturais de seu tempo e de sua história. E a divulgação científica adquire papel central nesse processo cultural. Carlos Vogt, professor e coordenador Labjor/UNICAMP, em entrevista para a Revista ComCiência, salientou que cabe à divulgação científica não somente levar a informação produzida pelos cientistas ao público, mas também atuar de modo a produzir as condições de formação crítica do cidadão em relação à ciência. Desse modo, não só cabe à divulgação científica a aquisição de conhecimento e informação sobre a ciência stricto sensu, mas a produção de uma reflexão relativa ao papel da ciência, sua função na sociedade, as tomadas de decisão correlatas e suas prioridades.
O geólogo e pesquisador português José Brilha, em seu artigo A Geologia, os geólogos e o manto da invisibilidade, relata que, nas últimas décadas, os cientistas têm manifestado uma preocupação crescente com o reconhecimento social da sua atividade profissional. Dentre as prováveis razões, o pesquisador menciona a crescente especialização científica e consequente complexidade; uma formação acadêmica ainda arraigada em pressupostos datados, e a dificuldade de comunicação sobre ciência de modo geral. Brilha também afirma, baseando-se em um levantamento realizado em Minho, Portugal, que a maior parte do público ainda desconhece o que fazem os geólogos e de que modo a profissão pode interagir com a sociedade contemporânea – isto no contexto português.
Ainda que não se tenha pesquisas voltadas à percepção pública sobre as Geociências no Brasil, o fenômeno do terraplanismo, com grande engajamento no país, evidencia a falta de letramento científico na sociedade e a forte presença do negacionismo – que atinge diversas esferas, camadas e classes sociais, como o negacionismo climático, a incredulidade no sistema de urnas eletrônicas, o movimento antivacina, entre outros. Assim, torna-se importante visibilizar as iniciativas que buscam romper as barreiras do elitismo científico, comprometendo-se com a construção de uma divulgação científica sobre conteúdos de geociências de interesse público e comprometida com a justiça socioambiental.
Esse texto não reflete necessariamente um posicionamento da ABMGeo.
Esse texto é de autoria de:
Talita Gantus de Oliveira
Geóloga pela UFOP, mestra em Geologia Ambiental pela UFPR e doutora em Geociências pela UNICAMP. Atualmente, cursa a Especialização em Jornalismo Científico no Labjor/UNICAMP. Atua como educadora ambiental, pesquisadora, consultora técnico-científica e comunicadora de ciência no Laboratório de Pesquisa e Comunicação em Geologia e Planejamento Urbano.
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