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Nota sobre caso de professor de paleontologia denunciado por assédio

Atualizado: 4 de set. de 2023



Leonardo Ávilla, professor de paleontologia da Unirio, a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, está sendo acusado por estudantes e colegas pesquisadores de abusos morais e sexuais. São dezenas de denúncias que cobrem um período de 14 anos, de 2007 até agora. Os casos vieram à tona na internet, quando outro paleontólogo, da Universidade Federal da Bahia, publicou os relatos que ouviu, sem citar o nome do professor.


O jornalista americano Michael Balter, que se dedica a expor casos de assédio no meio científico, ao ter contato com os relatos, publicou o nome de Leonardo Ávilla, pedindo que as vítimas se apresentassem. E então, pessoas que, por medo, ficaram caladas durante anos, começaram a se encontrar e a falar. Uma reportagem no Fantástico relatou a conversa com 23 pessoas que contam sobre os abusos e perseguições sofridas. A repórter Sônia Bridi entrevistou 12 delas. A maioria prefere manter o anonimato. Veja a reportagem completa neste link.


Além de professor na Unirio, Leonardo Ávilla é coordenador de um laboratório de pesquisa na mesma universidade. Segundo as vítimas, o professor denunciado por assédio ameaçava cortar bolsa de quem reagisse: “Este laboratório não é uma democracia!”, ele dizia. Apesar de indignante, é bastante comum relatos de assédio sexual e moral de mulheres por parte de professores e orientadores de pesquisa homens. Essa posição de poder que a função de professor, orientador e coordenador exercem é simbólica, já que esses homens têm a possibilidade de acabar com a carreira profissional e moral das mulheres vítimas, coagindo-as, assim, a ceder à violência ou a ocultá-la. Mas é também uma posição de poder material, já que podem cortar a bolsa (o salário) das orientandas de pesquisa quando bem entenderem, sem necessidade de justificativa. De acordo com as vítimas de Leonardo Ávilla, o professor se valia do cargo de coordenador para ameaçar quem reagisse às investidas.


Nota-se que foi preciso o posicionamento de um homem para que houvesse mobilização da mídia e das instituições em levar a denúncia à frente. Tendo em vista que, à época de um dos casos de abuso sexual e moral, uma das vítimas foi até a delegacia, e, sendo atendida por um policial homem, escutou que o caso não daria em nada, e que ela poderia ser acusada por calúnia e difamação por parte do agressor, pois sua denúncia não era suficiente para dar andamento ao boletim de ocorrência. Ou seja, de vítima, passou a potencial acusada. Como no caso recente, violento e vergonhoso, em que Mariana Ferrer, ao denunciar um caso de estupro, foi condenada pela roupa que vestia. Importante lembrar (embora absurdo ainda ter que salientar) que a roupa nunca foi uma justificativa e nem o elemento disparador de um abuso sexual, já que a causa vem do agressor, jamais da vítima. Afinal, não ouvimos comumente casos de homens serem estuprados por mulheres ao transitarem por aí apenas de bermuda e peito nu. E mulheres seguem sendo violentadas independentemente da roupa.


Numa recente nota, a Unirio afirma que abriu um processo administrativo, e se posicionou pelo afastamento do professor enquanto durarem as investigações, em decisão tomada pelo departamento de ciências biológicas. Nós, da ABMGeo (Associação Brasileira de Mulheres nas Geociências), nos solidarizamos às vítimas desse horrendo caso. E prestamos todo o nosso apoio para uma ofensiva feminista em rede para que a reputação acadêmica de Leonardo Ávilla não passe impune. Embora, equivocadamente, circulem algumas narrativas de que é preciso separar a conduta moral da conduta profissional, nos colocamos contra esse posicionamento. Para Paulo Freire, patrono da educação, a ética na pedagogia é a necessidade de viabilizar a liberdade pela educação, e, assim, ser agente de transformação social, ressaltando que educar é mais que ensinar, é educar para a ética, para a consciência crítica. Nesse sentido, como pressupostos éticos valem-se de padrões e valores morais, e como a educação trata-se de um compromisso ético, julgamos eticamente imoral a manutenção de um professor que violenta sexualmente e psiquicamente estudantes e orientandas. Ainda, como Leonardo Ávilla se apropriou de dados produzidos pelas pesquisadoras que ele tinha sob seu poder, sua produção científica também é digna de ser questionada.


Nossa sociedade é estruturalmente machista, porque produz e sustenta relações psicossociais e socioeconômicas baseadas em uma opressão do gênero mulher e/ou do sexo feminino para beneficiamento dos homens (brancos, cis e héteros). É patriarcal, visto que organiza as relações de poder simbólica e material a partir de uma superioridade do homem cis e hétero, em detrimento do gênero mulher e/ou do sexo feminino. E é misógina, pois despreza pessoas do gênero mulher e/ou do sexo feminino ao negar sua humanidade e subjetividade, violentando-as por acreditar que elas devem estar sexualmente disponíveis, já que encaradas como objeto.


Compreendemos que somos seres sociais, imersos em uma sociedade opressiva em várias camadas. Somos socializados e educados em uma cultura racista, machista, patriarcal, cisheteronormativa e alienante em relação à nossa divisão de classe socioeconômica. Não há saídas individuais para problemas coletivos. Nesse sentido, entendemos que casos de violência, física, psíquica, sexual e moral contra pessoas do gênero mulher e/ou do sexo feminino são, também, um assunto de ordem social.


Também compreendemos que o punitivismo é mais uma forma de respaldar um sistema jurídico que é machista, classista e racista, já que homens brancos, pertencentes à elite intelectual ou à elite econômica, não são presos facilmente. No entanto, é a forma político-jurídica que temos disponível para não normalizarmos a impunidade diante de crimes como os de violência sexual e moral contra mulheres. Esperamos que a justiça averigue o caso e que o autor pague pelos crimes que cometeu. Ainda, que ele não saia impune de processos administrativos internos da instituição educacional à qual se vincula, já que a violência parte de um lugar simbólico de poder.


Aproveitamos, então, a oportunidade para sugerir aqui uma ideia sobre a possibilidade de levarmos adiante uma movimentação feminista pela cassação da memória curricular-científica, hospedada na plataforma lattes, de professores condenados por abuso e violência contra alunas e orientandas.


Para além disso, é preciso que se constituam ouvidorias da mulher alocadas dentro das instituições de ensino públicas, para receber, acolher, escutar e orientar as vítimas de abuso sexual, moral, físico e psíquico. Violências essas que, além de não terem, em sua maioria, um desfecho positivo para a vítima em termos jurídicos, menos ainda têm em termos administrativos-acadêmicos. Os abusadores, muitas vezes, retornam aos seus postos de poder e domínio como professores, retaliando suas vítimas, perpetuando o ciclo de violência, e demonstrando que a impunidade impera em nosso sistema.


É preciso cortar o mal pela raiz! É preciso dar um basta!



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