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Foto do escritordiretoria ABMGeo

Prêmio Monteiro Lobato: carta-manifesto à Sociedade Brasileira de Geologia (SBG)

Atualizado: 4 de set. de 2023



O machismo e o racismo institucional se configuram na discriminação que ocorre em instituições públicas ou privadas que, de forma direta ou indireta, promovem a exclusão ou invisibilização baseada no gênero e na raça, respectivamente. Espaços e lugares não têm, por eles mesmos, uma relação racial e de gênero, mas eles refletem e afetam o modo pelo qual a ideologia sobre raça e gênero é construída e entendida na sociedade. Em geral, o controle espacial é forçado através de convenções ou simbolismos, como a construção da alegoria imagética da mulher como o “outro”, ou como a não existente - ainda mais em se tratando do marcador étnico-racial que constitui o não-branco.

A limitação colonial imposta culturalmente à mulher e à população negra em geral em termos de identidade e ocupação dos espaços de poder, dos espaços públicos e no mercado de trabalho tem nos contextos histórico-culturais um significado de subordinação. A tentativa de confinar a mulher à esfera doméstica era um controle especificamente espacial e, através disso, um controle social de identidade. Em relação às mulheres negras esse confinamento se dá nos moldes daquele imposto pela escravização colonial de corpos africanos, e que reverbera nos dias de hoje através de uma conformação social estruturada na colonialidade.

Não à toa, Martine Bertereau, a primeira mulher mineralogista registrada foi presa na França em 1642 sob suspeita de bruxaria no período da Inquisição. Fato que demonstra a intrincada relação entre o empreendimento colonial, a subjugação da mulher à esfera doméstica e o controle discursivo de narrativas. Foi no período conhecido como Caça às Bruxas que houve uma guerra declarada contra as mulheres, orientada a quebrar o controle que elas haviam exercido sobre seus corpos, sua reprodução e os lugares que desejavam ocupar - simbólica e materialmente - na sociedade.

O controle discursivo que dita a lógica da colonialidade do saber e do poder se dá pelo persistente apagamento revisionista do passado histórico que nos trouxe até aqui, e pelo ocultamento das resistências insurgentes contra o sistema de saber-poder imposto. Resistências essas que contaram com a participação de mulheres, de homens negros e de diversas etnias indígenas que construíram ativamente a sociedade brasileira às custas de muito sange derramado. Nesse sentido, é de suma importância nos atentarmos sobre quais narrativas buscamos visibilizar e com quais contribuímos para o apagamento.

Mesmo com todas as dificuldades impostas pelo machismo e pelo racismo estrutural, que também é institucional, há uma expressiva lista de mulheres geólogas que realizaram grandes feitos ao redor do mundo e no Brasil. Caso não saibamos onde encontrar esses nomes, isto revela mais uma faceta do apagamento discursivo promovido pelas opressões que querem confinar as mulheres ao lar, excluí-las do espaço dos ditos notáveis.

Posto isso, a Associação Brasileira de Mulheres nas Geociências (ABMGeo) assina esta carta-manifesto no intuito de abrir diálogos com a Sociedade Brasileira de Geologia (SBG) para revisarmos os prêmios ofertados por esta instituição que representa a classe dos geólogos e das geólogas em suas diversidades. Não há sequer uma condecoração que leva o nome de uma mulher. Além disso, todos os geólogos representados nas medalhas são homens brancos. Há ainda uma outra menção honrosa que dá nome a um dos prêmios e que gostaríamos, aqui, de destacar e de reivindicar pela sua supressão: o prêmio Monteiro Lobato.

Monteiro Lobato, escritor brasileiro, permeou durante décadas o imaginário brasileiro, principalmente infantil. Importante destacar que Lobato foi um dos membros da Sociedade Eugênica de São Paulo, onde mantinha relações estreitas com vários dos principais nomes das políticas eugenistas brasileiras, como Renato Kehl e Arthur Neiva. Suas obras, de cunho expressivamente racista, refletem a sociedade na qual ele se inseria. No entanto, é papel nosso, da sociedade do nosso tempo, escolher quais narrativas queremos seguir ocultando e às quais queremos dar um lugar de destaque.

Assim sendo, propomos uma revisão dos nomes que intitulam os prêmios à comunidade geológica propostos pela SBG. Esta solicitação é feita no intuito de rompermos com o pacto narcísico da branquitude e do patriarcado que constroem e povoam nosso imaginário racista e machista pelas representações simbólicas e pelos privilégios materiais que seguimos perpetuando. Os quais contribuem para o fosso de desigualdades que marcam a sociedade brasileira.

Estamos à disposição para iniciarmos uma rodada de diálogos e para as demais demandas que se fizerem necessárias.


Se você concorda com a carta, pedimos, encarecidamente, que assine nosso abaixo assinado e nos ajude compartilhando. A carta pode ser assinada clicando aqui.

Saudações,

Associação Brasileira de Mulheres nas Geociências (ABMGeo)




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